Na Medicina Tradicional Chinesa a dor é compreendida como conseqüência da interrupção de processos biológicos. A normalidade desses processos depende das duas substâncias (concepções fisiológicas), Qi e sangue, fundamentais para as operações do organismo, e a dor sinaliza a sua disfunção.
Qi e Sangue tem sido tomadas como correspondentes às funções do sistema nervoso e do sistema circulatório, respectivamente. Para Meng Zhaowei os dois aspectos Qi e Xue, representam nervos e vasos sangüíneos.
Uma das suas características básicas é fluir, estar em movimento. Quando fluem livremente, não há dor.
Quando sofrem interrupção, seja por causa de deficiência das funções orgânicas que garantem o movimento de Qi e sangue, ou devida à presença de fatores patogênicos operantes, manifesta-se a dor.
A sensação de dor é diferente, quando devida a estagnação do Qi ou a estase do sangue. A estagnação do Qi provoca sensação de distensão ou de traumatismo, que varia no tempo – em intensidade e localização.
A estase do sangue, por outro lado, se caracteriza por uma sensação de tumefação dolorosa, ou dor aguda, em pontada, cortante, com localização bem definida. Mas o fluxo de Qi e sangue também pode estar inibido por causa de deficiência de cada uma ou das duas substancias. Nesse caso, a dor não é intensa como a do excesso, mas é continuada e duradoura.
A dor que piora depois de repouso, e melhora depois de exercício leve, é devida a deficiência simultânea de Qi e de sangue, porque durante o repouso ou a imobilidade não há Qi sangue suficientes para circular, enquanto o movimento em si mesmo promove a movimentação de Qi e sangue, trazendo alívio para esse tipo de dor.
Quando é devida a deficiência do Qi, a dor é pior no final do dia, ou depois de atividade intensa, porque o uso consumiu o Qi, tornando-o ainda mais deficiente. A dor devida à deficiência do sangue tende a ser pior à noite.
Padrões de dor
1. Deficiência
2. Excesso
3. Meridianos
4. Órgãos Internos
5. De acordo com os Fatores Patogênicos
Aspectos importantes a serem identificados para o diagnóstico da dor
1. Sinais de excesso ou deficiência
2. No caso de excesso:
Distinção entre estagnação do Qi ou estase do Sangue;
As causas do excesso;
3. O envolvimento dos órgãos internos e/ou dos meridianos;
4. Quais os meridianos primariamente envolvidos.
5. Quais os fatores patogênicos.
A dor músculo-esquelético crônica na Medicina Tradicional Chinesa
A síndrome bi corresponde, na Medicina Tradicional Chinesa ao quadro clínico de dor músculo-esquelético crônica. A principal manifestação clínica é a dor, à qual podem se associar sensações de peso e parestesia, impotência funcional de estruturas músculo-esqueléticas (tendões, músculos, ossos e articulações), assim como aumento de volume articular e da temperatura do local.
O seu mecanismo básico é interrupção do fluxo de Qi e de Sangue nos meridianos, pela presença duradoura de um Fator Patogênico. A fisiopatologia inclui uma deficiência dos aspectos nutritivo e defensivo das funções orgânicas (Ying – Wei Xü), o que favorece a ação nociva dos fatores patogênicos.
A síndrome pode se apresentar de modo continuamente progressivo, ou intermitente. Em geral sua evolução é lenta, e em alguns casos pode ocorrer um quadro inicial de sudorese, febre, sede, dor e edema de faringe, e desconforto generalizado, como a dor que ocorre na gripe comum, chamada na Medicina Tradicional Chinesa de Feng-Han (Vento-Frio).
Para a maioria dos pacientes, o início da doença é mal definido, a dor é migratória ou é persistentemente localizada, ou se apresenta como dor em agulhada, ou com sensação de parestesia, ou com edema.
A síndrome bi é categorizada segundo o fator patogênico, nos tipos Vento (Feng), Frio (Han), Umidade (Shi) e Calor (Re).
A dor é classificada clinicamente em tipos Móvel (Xing Bi), Doloroso (Tong Bi) e Fixo (Zhuo Bi). O tipo Vento (Feng Bi) também é chamado de tipo Móvel (Xing Bi), o tipo Frio (Han Bi) de Doloroso (Tong Bi) e o tipo Umidade (Shi Bi) de Fixo (Zhuo Bi).
A patologia pode se localizar na Superfície ou na Profundidade. Biao, a Superfície, é a zona do corpo que compreende os membros e as estruturas envolvidas com a sustentação e com o movimento, que é a dos chamados Meridianos (Jing Luo).
Identificação do padrão da dor conforme as teorias da Medicina Tradicional Chinesa
O diagnóstico das condições clínicas dolorosas é efetuado, segundo a práxis da Medicina Tradicional Chinesa, através da avaliação, da história, do interrogatório e do exame físico do paciente.
O conjunto de dados obtidos, interpretados segundo as teorias médicas clássicas chinesas, compõe um quadro que conduz a um diagnóstico, a partir do qual é determinada a escolha da terapêutica, e é possível formular prognósticos.
A Semiologia da Medicina Tradicional Chinesa reconhece sinais e interpreta sintomas de modo a lhes conferir um nexo, o que permite a composição de quadros, a serem comparados com os padrões de desarmonia descritos na literatura.
A cada diagnóstico, elaborado por meio dessa identificação de padrões, corresponde uma prescrição, que inclui a escolha dos pontos e técnicas a serem utilizados no tratamento.
As manifestações clínicas dos quadros são compreendidos no âmbito da fisiopatologia, que explica os fenômenos observados no exame do paciente, apontando as medidas terapêuticas indicadas para a situação, de acordo com a experiência dos médicos chineses antigos, registrada em obras magistrais.
A AVALIAÇÃO DA DOR
A dor pode ser classificada genericamente segundo critérios:
Qualitativos – descreve variações de acordo com o Fator Patogênico
Quantitativos – define Deficiência ou Excesso (Qi Ortodoxo versus Fator Patogênico)
Topográficos – situa o processo doloroso, como relacionado aos órgãos internos (Zang Fu), ou ao sistema músculo-esquelético (Jinag Luo)
As categorias de parâmetros semiológicos para o diagnóstico da dor na Medicina Tradicional Chinesa são:
Sensorial, Temporal, Topográfico, Fatores de agravação e melhora, e Fisiopatológico.
Sensorial
Esse critério dá significado clínico às diferentes modalidades sensoriais de dor. Por exemplo, dor ou algia surda indica Deficiência; dor em pontada, intensa, é devida a Excesso.
Diferentes tipos de dor segundo a modalidade sensorial:
Dor surda que em geral acomete os membros ou o tronco. Atribuída a uma condição do tipo Deficiência.
Dor com sensação de peso
Dor surda com sensação de peso ocorre em geral nos membros, na cabeça ou em todo o corpo. Indica a presença do fator patogênico Umidade, ou Mucosidade.
Parestesias
Bilateral, nas extremidades, indica Deficiência do Sangue. Unilateral, hemiparestesia, pode representar um início de AVC, com Vento Interno e Mucosidade.
Dor em distensão
Em geral ocorre no abdome, com sensação de aumento de volume, e é tipicamente atribuído a “Estagnação do Qi”, especialmente do Fígado, podendo ocorrer com outros órgãos, principalmente Estômago, Baço e Pulmões. Localizada na cabeça, expressa “Subida de Fogo – Calor”.
Dor com sensação de plenitude
Ocorre em geral no epigástrio e abdome inferior. É o mesmo tipo de sensação descrita pela pessoa que ingeriu refeição copiosa. Às vezes se acompanha de náusea, e a região está enrijecida à palpação. A plenitude é diferente da distensão porque esta última é visível e palpável, e a primeira apenas palpável.
Cólicas
Dor em pontada, de natureza espástica, ocorre no epigástrio e abdome inferior. Em geral indica a presença do fator patogênico Frio nas vísceras, ou Estase do Sangue. A dor é do tipo Excesso.
Dor espástica / em tração
Dor em pontada, com sensação de espasmo (geralmente ocorre nos membros, nos tendões) e se relaciona com o Fígado. É atribuída a Vento do Fígado, associado a Deficiência do Sangue, Estagnação do Qi do Fígado, ou Subida do Yang do Fígado.
Tendões é expressão usada na Medicina Tradicional Chinesa, que designa um conjunto particular de estruturas que compõem o sistema músculo-esquelético – sinóvias, fáscias, aponeuroses, ligamentos, tendões.
Dor com ansiedade
Dor epigástrica ou torácica, acompanhada de inquietude, ansiedade e eventualmente palpitações. Atribuída em geral a uma síndrome de Retenção de Mucosidade no epigástrio afetando o coração.
Topográfico
Considera a região do corpo aonde se localiza a dor, a fixidez ou mobilidade da sensação de dor e a sua irradiação, para identificar o padrão de dor.
Dor localizada
Em geral é devida a Mucosidade ou Estase de Sangue.
Dor móvel
Atribuída a Estagnação do Qi, exceto quando devida à presença do fator patogênico Vento nas articulações.
Dor articular migratória
Vento.
Dor nos membros superiores ao caminhar
Estagnação do Qi do Fígado.
Dor muscular com sensação de calor na superfície corporal
Presença de calor no Estômago.
Dor lombar de início súbito, fixa, em pontada, duradoura, com rigidez
Representa Estase do Sangue
Fatores de agravação e melhoria
Através de testes, os efeitos da pressão e da temperatura sobre a sensação de dor são interpretados.
Agravação pela pressão
Condição de Excesso, que pode ser relacionada à Umidade, Mucosidade, Estagnação de Qi, Estase de Sangue, ou Estagnação da digestão.
Melhoria pela pressão
Indica condição de Deficiência
Alívio pelo calor
Revela condição devida a Frio ou Deficiência de Yang, assim como a dor agravada pelo frio.
Alívio pelo frio
Tanto pela aplicação de frio local, quanto pela ingestão de comidas frias, indica a presença de Calor, da mesma forma que a dor agravada pelo calor.
Agravação por frio e umidade, alívio pelo calor
Invasão de Frio e Umidade no plano músculo-esquelético (Meridianos).
Fisiopatológico
Superfície e Profundidade
As dores podem ter origens diferentes: interna (órgãos e vísceras), ou externa (músculo-esquelética). As dores devidas a entorses, traumas ou síndrome bi envolvem apenas a região chamada Biao na MTC (superfície, em oposição a Li – profundidade), onde estão os Meridianos, ou seja, o plano músculoesquelético.
Outros tipo de dor envolvem os órgãos internos (Zang Fu). Por exemplo, uma dor abdominal associada a constipação ou diarréia, naturalmente é devida a distúrbios intestinais. Quando a dor tem origem em perturbações dos órgãos internos, sempre aparecem sintomas desses distúrbios, permitindo uma distinção.
Entre as síndromes Bi de evolução prolongada, a mais freqüente é a modalidade atribuída à deficiência de Qi e sangue. O mecanismo subjacente é a deficiência do Qi Correto (Zheng Qi). O resultado é dor articular persistente, de tratamento difícil. O paciente se apresenta fatigado, sem brilho da face, com dor lombar, sensação de frio e dificuldade para movimentar os membros.
Diferenciação das síndromes bi segundo o fator patogênico
As categorias principais de síndromes Bi são do tipo Frio (Han Bi) e do tipo Umidade (Shi Bi). A presença de água nos nódulos fibrocísticos e das faixas musculares tensas palpáveis, achados típicos da dor miofascial crônica, assim como as sensações descritas pelos pacientes com essa patologia, como peso, parestesia, e disestesia, coincidem com a descrição da Medicina Tradicional Chinesa das síndromes Han e Shi Bi.
1. Tipo Vento (Feng)
O paciente apresenta aversão ao vento, sensação de calor, dor ou dolorimento articular ou no corpo, com dificuldade para movimentar as articulações É mais freqüente nos membros superiores e ombros.
2. Tipo Frio (Han)
A dor intensa e fixa melhora com o calor e piora com o frio, e há dificuldade para movimentar as articulações. O revestimento lingual é esbranquiçado.
3. Tipo Umidade (Shi)
O quadro é de dor fixa, com sensação de peso e com impotência funcional, parestesia de membros, sensação de peso nas mãos e nos pés.
4. Tipo Vento e Umidade (Feng Shi)
É uma combinação de Síndromes Bi dos tipos Vento e Umidade.
5. Tipo Vento, Umidade e Frio (Feng Han Shi)
Dor articular, parestesia dos membros, lassidão lombar e dos joelhos, dificuldade para andar. A presença de parestesia indica um quadro de Umidade.
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